‘Todos têm uma mesma identidade fundamental: pela graça, filhos de Deus’

Coordenador nacional do apostolado Courage, Maurício Abambres, 49, percorre o Brasil para falar sobre o caminho proposto pela Igreja Católica aos homens e às mulheres que sentem atração pelo mesmo sexo e buscam viver a fé com sinceridade e liberdade. 

Mauricio

Em entrevista ao O SÃO PAULO, o assessor jurídico do Tribunal de Justiça de São Paulo partiu de sua própria história de vida para explicar como é realizado o acompanhamento pastoral das pessoas com tendências homossexuais, assim como os desafios que existem dentro e fora da Igreja em relação a esse tema. Confira a entrevista. 

O SÃO PAULO – DESDE QUANDO VOCÊ PERCEBEU QUE TEM ATRAÇÃO PELO MESMO SEXO? 

Maurício Abambres – Para entender melhor minha caminhada, é preciso explicar um pouco da minha origem. Eu venho de uma família em que não havia uma referência masculina, digamos, saudável. Eu não conheci meu pai e meu avô era alcoólatra. 

Eu nunca me identifiquei muito com aquilo que era comum nos meninos da minha idade, como jogar bola, e sempre admirava os rapazes, desejava ser como eles, mas, para mim, era um mistério como os homens agiam. Ao mesmo tempo, tinha maior facilidade para ter amizade com as meninas, embora eu nunca tenha tido interesse pelas brincadeiras das meninas, me vestir ou me portar como elas. Apenas tinha uma afinidade maior. Sobretudo a partir da adolescência, a minha busca pela figura masculina foi ficando “sexualizada”.

VOCÊ JÁ FREQUENTAVA A IGREJA? 

Minha família sempre foi dos chamados “católicos de IBGE”, nunca viveram a religiosidade, de fato. Com 16 anos, eu me aproximei da Igreja por causa de um amigo que começou a ter uma prática religiosa mais intensa. Então, comecei a participar da Renovação Carismática Católica (RCC). 

Com 19 anos, conheci um monge beneditino que me perguntou se eu não queria seguir a vida monástica, e acabei ingressando no mosteiro, onde fiquei por quatro anos. Foi uma experiência muito boa e séria. Não tive problemas em relação à vivência da castidade, embora minha tendência persistisse e sempre fui transparente com o meu diretor espiritual a esse respeito, buscando seguir o caminho proposto. 

E POR QUE VOCÊ DEIXOU A VIDA MONÁSTICA? 

Deixei o mosteiro por outras razões relacionadas à vida comunitária com as quais não me identificava. Voltei a trabalhar e a participar do grupo da Igreja do qual fazia parte antes. Só que lá não havia muita abertura para tratar dessas questões. Só me diziam para viver a castidade segundo a Doutrina da Igreja, sem, de fato, responder às inúmeras dúvidas e questões que tinha dentro de mim. Não me via em um casamento e construindo uma família, tampouco como um religioso ou sacerdote. Perguntava-me qual seria o meu lugar na Igreja e no mundo. 

Ao mesmo tempo, trabalhava com um rapaz que vivia uma vida assumidamente gay, e isso me despertou uma curiosidade por esse universo. Com 27 anos, cansado de não ter respostas e um acolhimento, abandonei a vida da Igreja. De certa forma, encontrei um acolhimento no outro grupo. Com isso, passei a viver um estilo de vida gay até por volta dos 40 anos. Nesse período, tive relacionamentos estáveis, uma vida promíscua, usei drogas etc. Mesmo assim, nunca critiquei a Igreja. Procurei outras formas de viver a religiosidade em diferentes tradições religiosas. Nada disso, porém, me satisfazia realmente do ponto de vista da fé.  

QUANDO CONHECEU O COURAGE? 

Depois de muitos anos, eu voltei a me aproximar da Igreja. Ia à missa, mas não comungava, até porque eu vivia publicamente uma vida gay. Então, tomei coragem e terminei o relacionamento que tinha e procurei um sacerdote para me confessar. Só que, ao mesmo tempo, eu me questionava, pois sabia que teria que seguir os ensinamentos da Igreja, mas não sabia como. Comecei a pesquisar na internet sobre o assunto e encontrei o site do Courage, nos Estados Unidos, escrevi para eles e me informaram que havia um grupo no Brasil. 

No começo, tive receio, pois temia que fosse algo relacionado a grupos que se dizem “inclusivos”, que relativizam a Doutrina e a Moral católica, sendo que eu já sabia o que a Igreja ensinava, e só precisava de ajuda para viver esse ensinamento. Eu tomei coragem e participei do primeiro encontro em 2012 e, a partir daí, comecei a compreender mais o que a Igreja propõe para as pessoas com atração pelo mesmo sexo. Compreendi que vivendo como um leigo solteiro, consciente dessa tendência, eu posso ser útil para a Igreja a partir da vivência das metas indicadas pelo Courage. Depois de um tempo, fui indicado para coordenar o apostolado no Brasil e aqui estou. 

HOJE, COMO VOCÊ ENTENDE A HOMOSSEXUALIDADE? 

Depois de ler, estudar e fazer esse caminho no Courage, olhando para a minha vida e para a de muitos que participam desse apostolado, eu vejo que não é algo que tenha causas completamente definidas. Por isso, a Doutrina da Igreja usa sempre a expressão “inclinação desordenada”, ou seja, uma tendência que está fora da ordem natural. Outra coisa que precisa ficar clara é que a Doutrina católica não considera a atração pelo mesmo sexo um pecado. Uma inclinação desordenada pode levar ao pecado, mas não é um pecado em si. Por exemplo, se uma pessoa que tem a tendência a comer demais e se deixar levar por isso, cometerá o pecado da gula. 

Infelizmente, o mundo moderno reduz a sexualidade à genitalidade, mas é muito mais do que isso. O ser humano se realiza no dom de si a Deus por meio do próximo, e a sexualidade faz parte disso. Penso que a Psicologia poderia estudar essas questões com mais profundidade sem amarras ideológicas. 

COMO VOCÊ COMPREENDE A AFIRMAÇÃO DO PAPA FRANCISCO SOBRE OS HOMOSSEXUAIS, EM 2013?

Naquela ocasião, o Papa Francisco disse: “Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la?” Essas frases não podem ser pinçadas do seu contexto. Nós temos que ir além e entender todo o magistério de Francisco, que, por exemplo, na Exortação Apostólica Amoris Laetitia recorda que Deus criou o homem e a mulher para se unirem e reafirma que as uniões entre as pessoas do mesmo sexo não são legítimas, assim como fala do acompanhamento pastoral dessas pessoas. No livro “O nome de Deus é misericórdia”, o mesmo Francisco recorda que “as pessoas não devem ser definidas apenas por suas tendências sexuais”, reforçando o que o então Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa emérito Bento XVI, afirmou em uma Carta da Congregação para a Doutrina da Fé em 1986: “A Igreja oferece ao atendimento da pessoa humana aquele contexto de que hoje se sente a exigência extrema, e o faz exatamente quando se recusa a considerar a pessoa meramente como um ‘heterossexual’ ou um ‘homossexual’, sublinhando que todos têm uma mesma identidade fundamental: serem criaturas e, pela graça, filhos de Deus, herdeiros da vida eterna”. Portanto, o que significa buscar o Senhor? Se eu o busco, quero ouvir o que Ele me fala e, consequentemente, buscar viver o que Ele me pede.

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