Congresso Eucarístico Internacional: oportunidade de unidade para a Igreja

Cardeal Péter Erdő, Arcebispo de Esztergom-Budapeste e Primaz da Hungria, tem percorrido diversos países para divulgar o 52o Congresso Eucarístico Internacional, que acontecerá entre 13 e 20 de setembro, em Budapeste. Em entrevista ao O SÃO PAULO, o Purpurado falou sobre a preparação do evento e seu significado para a renovação da fé no país e em toda a Europa.

Peter Erdo

O SÃO PAULO – Qual é a expectativa da igreja na Hungria para a realização do congresso eucarístico internacional?

Cardeal Péter Erdő – A conferência episcopal de nosso país e toda a Igreja húngara esperam uma renovação da fé e um reflorescer do espírito missionário, ao mesmo tempo que uma ampliação de nossa visão católica. A Hungria possui raízes cristãs muito profundas. Seu primeiro rei, Santo Estêvão (século XI), introduziu o povo húngaro entre os povos cristãos da Europa. Nosso povo deu grandes santos à Igreja Católica, também não faltam os mártires mais recentes, que viveram oferecendo a própria vida pelos outros. Nossa Igreja toma a sério sua missão de ajudar a reconciliação entre os povos, em sinal de mútuo respeito e de fraternidade.

Esta é a segunda vez que o país sedia esse evento?

Sim. A Hungria organizou um Congresso Eucarístico Internacional em 1938, com o lema “Eucaristia, vínculo da caridade”. O mundo daquela época era atormentado por grandes tensões e grande era o desejo de paz diante dos perigos de uma nova guerra que parecia inevitável. No hino do congresso, os fiéis cantavam o que ainda hoje é atual: “Reuni em paz, ó Senhor, todos os povos e nações!” A participação de meio milhão de pessoas na procissão e na missa de encerramento tornou-se uma espécie de manifestação a favor da paz entre os povos e contra as ameaças da guerra iminente. Contudo, não conseguiu evitar a guerra, que levou a Hungria a lutos e sacrifícios. Na conclusão da guerra, os cristãos foram perseguidos e oprimidos pela ditadura comunista por 40 anos: foram abolidas as ordens religiosas, deportados para campos de trabalho ou presos muitos fiéis e sacerdotes, vexações contínuas por parte do regime que se declarava ateu, estatização das escolas católicas (com exceção de oito) proibição da prática religiosa, a fuga ao exterior de centenas de milhares de pessoas.

Como o cristianismo resistiu a esse período?

A fé e os valores cristãos sobreviveram nas “catacumbas” e foram transmitidos às novas gerações das comunidades ativas na clandestinidade. Assim, o número de praticantes se reduziu drasticamente, enquanto duas ou três gerações cresceram sem nenhuma educação religiosa. Esta é a raiz de uma difusa ignorância religiosa, de uma indiferença à fé e, às vezes, também, de uma certa hostilidade em relação à Igreja, consequência de décadas de propaganda anticlerical.

Depois da “liberação” e da troca de regime, em 1989, assistimos na Hungria a um certo reflorescimento da prática religiosa. O retorno à democracia permitiu a reabertura das creches, escolas e universidades católicas e de outras confissões cristãs. Na política e nas leis, reaparecem alguns valores cristãos. Muitas igrejas foram reabertas ao culto, novas foram construídas e as comunidades cristãs de todas as confissões conseguiram um parcial ressarcimento material. Diversas formas de vida consagrada retornaram às próprias atividades com força renovada. O serviço da Cáritas se difundiu em todo o país. Entre os fiéis, há várias comunidades ativas e movimentos de espiritualidade, muitos deles provenientes de países latinos, como Itália, França, Espanha, e, mais recentemente, até do Brasil, como é o caso da Comunidade Católica Shalom, entre outras.

Esse renascimento se deu também no âmbito da educação?

Certamente Budapeste é o centro cultural e científico do país, e isso vale também para a Igreja Católica, que tem a Universidade Católica Péter Pázmány, fundada pela Conferência Episcopal, em 1992, e reconhecida pela Santa Sé em 1999.

Cresceu notavelmente o número das escolas dirigidas pelas diversas pessoas jurídicas da Igreja Católica, como também de outras Igrejas e comunidades religiosas. A grande maioria das escolas recentemente tornadas católicas é composta por aquelas que antes eram estatais. Sua administração foi transferida para as dioceses e, em alguns casos, para alguma ordem religiosa.

As paróquias e as outras unidades estruturais menores da Igreja, por decisão da Conferência Episcopal, tomada na década de 1990, não podem administrar tais instituições, porque as tarefas administrativas e os riscos econômicos excedem suas capacidades. Na Hungria, há mais ou menos 650 escolas católicas.

Atualmente, qual é o contexto religioso do país?

Cerca de 60% dos habitantes do nosso país foram batizados na Igreja Católica. Os outros estão divididos entres as diversas comunidades protestantes. A Igreja Calvinista húngara representa por volta de 15% da população, os luteranos são cerca de 3%, os ortodoxos estão divididos entre cinco de seus patriarcados (Constantinopla, Moscou, Bucareste, Belgrado e Sófia), mas todos juntos, talvez, somem 20 mil almas. Existem comunidades pré-calcedonianas, como a Igreja Ortodoxa Copta, com um bispo que reside em Budapeste, e a Igreja Apostólica Armênia.

A comunidade judaica também é notável, sobretudo em Budapeste, contando com cerca de 100 mil pessoas. Ela é dividida em diversas correntes. Os muçulmanos são menos numerosos. Segundo algumas informações, contam com 20 mil a 30 mil membros. Todas essas cifras estão baseadas nas informações da própria Igreja ou em pesquisas de opinião, porque o direito húngaro proíbe o registro estatal da afiliação religiosa de seus cidadãos.

Quais os frutos esperados do congresso para a igreja em todo o mundo?

Como lema do congresso, escolhemos o último versículo do Salmo 86/87 – “Todas as minhas fontes estão em ti”, pensando no mistério de Jerusalém e da Igreja, que é um único povo santo e, ao mesmo tempo, pátria de todos os povos. Assim, o Congresso Eucarístico de Budapeste terá também a missão de manifestar a universalidade da Igreja e de dar um sinal visível de nossa unidade. Tal tarefa parece ter uma atualidade toda particular na Europa de nossos tempos. Dom Alain Paul Lebeaupin, Núncio Apostólico na União Europeia, em seu discurso de 13 de março passado, em Bruxelas, na Bélgica, diante dos bispos da Comissão dos Episcopados da União Europeia, sublinhou que o próximo Congresso Eucarístico Internacional de Budapeste será um evento para a Igreja inteira. Contudo, possui um significado especial para a Europa em sua presente situação eclesial e social, pois proporcionará uma reflexão a partir do fato de que muitos missionários saíram da Europa para levar o Evangelho de Jesus Cristo a outras partes do mundo. A Europa precisa desse congresso para reencontrar a própria espiritualidade e a própria missão no mundo de hoje. O Congresso Eucarístico será uma oportunidade para manifestar a unidade da fé, a fraternidade de todas as Igrejas e a comunhão com o sucessor de São Pedro.

Será, portanto, uma ocasião de graça para contemplar a Deus que, em Cristo, é o Emanuel, o Deus conosco e, por nós, sacramentalmente presente na Eucaristia em nossa peregrinação terrena. Além de ser uma oportunidade de repensar essa presença e de recuperar o seu valor para a vida de todos, pois, ao nos recordar Quem é o nosso fim último, quer evitar que vivamos como errantes neste mundo.

As opiniões expressas na seção “Com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.

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