‘A família só se realiza mediante a presença participativa do pai’

Valdir Reginato e a esposa constituíram uma família em que o amor frutificou com o nascimento dos filhos

Valdir Reginato

Há 34 anos, Valdir Reginato e a esposa Cynthia constituíram uma família em que o amor frutificou com o nascimento dos filhos Gabriel, 32, Patrícia, 30 e Thiago, 28. O médico de família, terapeuta familiar e professor da Escola Paulista de Medicina também é avô do Dante, de 1 ano e 7 meses. Ao O SÃO PAULO, doutor Valdir destaca o papel indispensável dos pais na família e comenta os desafios e alegrias que envolvem a vivência da paternidade atualmente. Ele enfatiza que o Matrimônio é uma vocação da qual a paternidade não pode ser excluída, e lembra que cada pai deve ter um amor crescente a Deus, à esposa e aos filhos. Leia a seguir a íntegra da entrevista. 

O SÃO PAULO – EM UMA SOCIEDADE MARCADA PELA RELATIVIZAÇÃO DE VALORES COMPORTAMENTAIS, O QUÃO INDISPENSÁVEL É A PRESENÇA DE UM PAI EM UMA FAMÍLIA?

Valdir Reginato – A presença do pai não se faz indispensável somente quando em tempos de relativização do comportamento, como agora, mas é sempre fundamental. A humanidade nasce da família, e esta só se realiza mediante a presença participativa do pai. Os valores comportamentais vividos em família procedem do exemplo oferecido pelos pais (pai e mãe). O casal, na sua complementaridade, deve sempre procurar o modelo pelo qual acredita dar um sentido a sua vida. É nesse modelo que buscam os valores que transmitirão aos filhos, que se forma o alicerce da história familiar, com liberdade, mas com a esperança de estarem fazendo o melhor. São valores atemporais que edificam a crença e o comportamento ético-moral como pessoa em plenitude. A ausência do pai nesse processo fragiliza o equilíbrio obtido pela complementaridade conjugal, que sobrecarrega a mulher para cumprir uma duplicidade de papeis. Importante notar que quando essa ausência existe pela morte precoce do pai, os filhos, assim como a esposa, conseguem levar, ainda que com dificuldades, a vivência dos valores observados pelo pai. No entanto, quando a omissão é por separação ou abandono, os transtornos nos filhos e as sequelas na esposa, frequentemente, tornam-se terríveis, e a vulnerabilidade e a relativização dos valores cresce, o que pode acarretar prejuízos graves na educação. Em síntese, como alguém já disse: “se a mãe cuida com carinho dos passageiros (filhos), o pai deve manter firme o leme na direção.” Os ventos e tempestades não podem afastá-los do objetivo.

ATUALMENTE, TÊM SE INTENSIFICADO A IDEIA DOS NOVOS “MODELOS FAMILIARES”, PELOS QUAIS, MUITAS VEZES, PERCEBE-SE A FIGURA PATERNA COMO ALGO DISPENSÁVEL OU QUE ESTE PAPEL PODE SER OCUPADO, POR OPÇÃO E NÃO POR NECESSIDADE OU FATALIDADE, POR UMA MULHER. QUE IMPACTOS A PROLIFERAÇÃO DESSES “MODELOS FAMILIARES” TEM PARA A SOCIEDADE?

Novos “modelos familiares” são um baú em que se encontra de tudo. Desde a produção independente por mulheres até a adoção por casais homossexuais, passando por associações de pessoas em grupo sem vínculos em particular, mas no coletivo; e outras formas bizarras que superam a imaginação da racionalidade. Esses grupos podem ser denominados de qualquer coisa, menos de família, no seu conceito fundamental ontológico. Há um esforço enorme em masculinizar a mulher pelas chamadas feministas, de aceitar o homem cada vez mais “feminino”, e desta forma se está dispensando a relação sexual para a reprodução, utilizando-se métodos de fertilização artificial. Assim, duas mulheres recebem a doação do esperma e tornamse uma “família”. A paternidade não é uma ejaculação de espermatozoides! A paternidade é o comprometimento de um homem que o torna responsável pela educação de um novo ser humano, fruto do amor promovido entre ele e sua esposa. Quando a fatalidade abrevia a vida deste homem, é comum que a mulher possa buscar uma segunda união ou na falta desta a colaboração de uma figura masculina no avô, em um tio, que possa aliviar a ausência do pai. O impacto social desses “modelos” é a insegurança dos filhos, futuros homens e mulheres com perda de sentido de vida. Infelizmente, já estamos convivendo com uma geração na idade de exercer a paternidade e que apresenta em seus antecedentes famílias disfuncionais, acidentadas, algumas nos “novos modelos”. Essas circunstâncias favorecem em muito a insegurança do ser humano. Da criança insegura desenvolvem-se adultos inseguros. 

A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO SENHOR COMO TERAPEUTA FAMILIAR E MÉDICO DE FAMÍLIA, QUAIS TÊM SIDO AS MAIORES ANGÚSTIAS DOS HOMENS QUE SÃO PAIS?

Percebemos em dez anos de acompanhamento de cursos de noivos que os homens estão casando cada vez mais tarde. Precisam estar amparados economicamente, profissionalmente, e “vividos” em experiências para poder tomar uma decisão que envolve um grande risco. Pessoas inseguras não assumem riscos. Casar é um enorme desafio. Um percentual crescente de jovens que buscam uma união já o fazem determinados a não terem filhos. A alegria de um filho é proporcional a angústia em educá-lo. Educação implica em modelos, e se não há modelos que orientem, a angústia cresce. Outro fator que pesa muito são os custos. O mundo tecnológico, competitivo, fica cada vez mais caro e isso angustia os pais, mesmo os bem preparados, que necessitam buscar recursos para tanto. Referindo-se à primeira pergunta, a relativização acelerada de valores está deixando os pais desnorteados sobre o caminho a seguir, haja vista o trágico exemplo da perturbação com a ideologia de gênero nas escolas.

COMO A VIVÊNCIA AUTÊNTICA DA FÉ CRISTÃ PODE COLABORAR PARA A SUPERAÇÃO DESSAS ANGÚSTIAS?

“Ser cristão é deixar-se cativar pela pessoa de Jesus Cristo”. Ouvi isso certa vez do Cardeal Cláudio Hummes. Dessa forma, a fé cristã encontra em Cristo o modelo, o Caminho. Essa fé conduz para a Esperança, e se alimenta, principalmente, da oração na Palavra e pelo sacramento da Eucaristia. Essa Esperança de Paz é que supera toda angústia que possa se apresentar pelo exercício responsável da paternidade. “Felizes sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós por causa de mim. Alegraivos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus.” (Mt 5,11). Daí a importância de promovermos na educação dos filhos o que nos é mais precioso, que é o dom da fé, mediante o Batismo, tão logo venham ao mundo. 

SOB A ÓTICA CRISTÃ, SER PAI É UMA VOCAÇÃO. COMO O HOMEM DEVE SE PREPARAR PARA BEM CUMPRIR ESSA MISSÃO DADA POR DEUS?

O Matrimônio é uma vocação na qual não se pode excluir a paternidade. Deve-se preparar para ser pai e esforçar-se diariamente para crescer no amor. Primeiro, no amor a Deus: fonte da qual emana todo Amor. Segundo, no amor à esposa: aquela que nos propiciou a paternidade e cujo amor conjugal dá segurança e alegria aos filhos. E em terceiro no amor aos filhos, que Deus nos confiou, com generosidade, autoridade, paciência e confiança. Nessa hierarquia, cumpriremos a missão nos nossos filhos, e estes nos filhos deles…. Sucessivamente, porque “o Amor jamais acabará”. (1Cor 13,4). 

O SENHOR GOSTARIA DE DEIXAR UMA MENSAGEM AOS PAIS?

“O gravíssimo dever de transmitir a vida humana, pela qual os esposos são colaboradores livres e responsáveis de Deus Criador, foi sempre para eles fonte de grandes alegrias, se bem que, algumas vezes, acompanhadas de não poucas dificuldades e angústias” ( Humanae Vitae ,1- Paulo VI). Não deixemos de corresponder a este chamado de Deus, e viver as grandes alegrias da paternidade. A graça de Deus não nos faltará nas dificuldades. “E disse-me: A minha graça te basta” (2 Cor 12,9). 

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